Você está sozinho. Você e a
torcida do Flamengo. Em frente a tevê, devora dois pacotes de Doritos enquanto espera
o telefone tocar. Bem que podia ser hoje, bem que podia ser agora, um amor
novinho em folha.
Trimmm!
É sua mãe, quem mais poderia ser? Amor nenhum faz chamadas por telepatia. Amor
não atende com hora marcada. Ele pode chegar antes do esperado e encontrar você
numa fase galinha, sem disposição para relacionamentos sérios. Ele passa batido
e você nem aí. Ou pode chegar tarde demais e encontrar você desiludido da vida,
desconfiado, cheio de olheiras. O amor dá meia-volta, volver. Por que o amor
nunca chega na hora certa?
Agora,
por exemplo, que você está de banho tomado e camisa jeans. Agora que você está
empregado, lavou o carro e está com grana para um cinema. Agora que você pintou
o apartamento, ganhou um porta-retratos e começou a gostar de jazz. Agora que
você está com o coração às moscas e morrendo de frio.
O amor
aparece quando menos se espera e de onde menos se imagina. Você passa uma festa
inteira hipnotizado por alguém que nem lhe enxerga, e mal repara em outro
alguém que só tem olhos pra você. Ou então fica arrasado porque não foi pra
praia no final de semana. Toda a sua turma está lá, azarando-se uns aos outros.
Sentindo-se um ET perdido na cidade grande, você busca refúgio numa locadora de
vídeo, sem prever que ali mesmo, na locadora, irá encontrar a pessoa que dará
sentido a sua vida. O amor é que nem tesourinha de unhas, nunca está onde a
gente pensa.
O
jeito é direcionar o radar para norte, sul, leste e oeste. Seu amor pode estar
no corredor de um supermercado, pode estar impaciente na fila de um banco, pode
estar pechinchando numa livraria, pode estar cantarolando sozinho dentro de um
carro. Pode estar aqui mesmo, no computador, dando o maior mole. O amor está em
todos os lugares, você que não procura direito.
A
primeira lição está dada: o amor é onipresente. Agora a segunda: mas é
imprevisível. Jamais espere ouvir "eu te amo" num jantar à luz de
velas, no dia dos namorados. Ou receber flores logo após a primeira transa. O
amor odeia clichês. Você vai ouvir "eu te amo" numa terça-feira, às
quatro da tarde, depois de uma discussão, e as flores vão chegar no dia que
você tirar carteira de motorista, depois de aprovado no teste de baliza.
Idealizar é sofrer. Amar é surpreender.
Sobre a autora: Martha
Medeiros é jornalista, escritora, aforista e poetisa brasileira. Trabalhava em
propaganda e publicidade, mas logo sentiu-se frustrada com a carreira. Seu
marido recebeu uma proposta de trabalho no Chile, e esta decidiu que uma
mudança de país seria ótima oportunidade para dar um tempo na profissão, ficou
oito meses no Chile, na qual passou escrevendo poesia – sendo um divisor de
águas na sua vida. Quando voltou para Porto Alegre, começou a escrever crônicas
para o jornal e, a partir daí, sua carreira literária deslanchou.
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