16/03/2014

02. O cara que um dia se tornou meu pai


Nossa história é longa, complicada, estranha e boa. Eu surgi em sua vida bem no auge de seus 20 anos. Acho que devo ter atrapalhado alguns de seus planos... Bom, a culpa nunca foi minha, ou pelo menos uma boa parte dela. Talvez, quem sabe, eu tenha errado a hora de chegar. (Só) isso. 

Sete estados nos separaram durante uns meses. Foram quilômetros e quilômetros de distância, num curto  porém, aparentemente eterno  período de tempo, perdemos alguns meses juntos. A saudade dele por mim era tanta que o telefone da minha mãe vivia a tocar, e mesmo separados, eu ainda os unia. Tudo graças à um telefonema por dia. Mas é uma pena, e até irônico, que um homem tão inteligente como meu pai, tivera que aprender na marra que só uma voz (e uma pensão no fim do mês), não me faria se sentir sua filha. Acho que foi aí que tive o meu primeiro contato com a humildade, quando eu aprendi sem saber que dinheiro algum traz felicidade interior. A figura paterna que eu tinha quando pequenininha, estava indo embora, desaparecendo da minha mente, como uma névoa que passa pelo campo gélido no amanhecer do dia. 

Eu o ouvi chorar por telefone, ao te negar dizer um " Oi pai, eu tô bem sim, quando você vem me ver?". Me desculpe, você aí sabe... criança pequena adora fazer birra, principalmente na frente de "estranhos". Mas que bom que neguei uma conversa à ele, assim pelo menos pude reencontrá-lo e voltar a viver em baixo de seu teto. Eu, ele, minha mãe e quatro anos depois, o Lucas. 

Hoje em dia, todos os meus amigos podem até desconfiar, mas eu sempre me senti mais apegada ao meu pai, mais apegada que à minha mãe até. Depois que nós duas viemos para esta cidade, a seu encontro, tudo mudou. Nós sabemos muito bem que eu sempre fui uma garotinha teimosa, esperta e esquecida de tudo. Que nas discussõezinhas na hora do jantar, a última palavra sempre tinha que ser a minha, o veredito final era meu. Claro que eu só continuava a argumentar quando eu sabia que estava certa, ou quando sabia que estava menos errada que ele; e cá pra nós, meus argumentos sempre foram bons, do tipo de deixá-lo estressado, indignado, e até risonho. Sua cara de mal nunca me amedrontou, talvez tenha intimidado-me muito em vários momentos, mas por trás desse par de olhos cerrados que assusta vários, há um anjo protetor. 

À partir dos meus 8 ou 9 anos, começaram as "ameaças". Você se lembra, pai? Lembra como eu me esforçava pra esconder o meu rosto de pré-choro por trás do meu cabelo ondulado, desgranhado, longo e castanho? Lembra, pai? Você dizia: "— No dia que um cara ousar beijar ou tocar a minha filha, eu mato, eu bato!"; "— Filha minha não namora antes dos 21!"; "— No dia que tu inventar de me apresentar algum namorado, eu quero esperar ele na sala com uma espingarda, casualmente." Nossa, como eu sentia raiva, vergonha, chorava horrores à noite toda. Sempre procurei fazer o certo, mesmo que para os outros pareça errado. Eu não queria namorar às escondidas, e muito menos esperar até os 21 pra beijar na boca! Eu gosto de muita coisa vintage, mas nem de longe que essa sua "ordem" completamente maluca se qualifica nelas. Eu sou carente e acredito no amor, talvez não no eterno, mas no amor. Ser uma Romântica-Pé-No-Chão sempre me pareceu uma ótima opção. 

E foi nessa fase tensa da minha vida que ele começou a impôr uma barreira pros nossos diálogos entre pai e filha. Como chegar pro seu pai e falar sobre assuntos do coração? Como pedir os concelhos de um homem sobre meninos? Como?! Um dia entreguei para ele uma carta escrita à mão, com a folha mais linda da minha coleção, com a letra mais caprichada de todas, com toda a minha sinceridade, sem deixar escapar nada. Eu contei tudo, do início até ali. Ainda me lembro da sua cara entre um parágrafo e outro, e ainda sinto o carinho daquele abraço no final. Da compreensão... Sentimentos costumam ser associados à coisas de mulherzinha, mas naquele dia eu senti, na pele, que não. Que homem maduro também sente, entende. 

Pois bem, dei meu primeiro beijo aos 13. Decepcionei-o um tempo depois por estar ficando com um cara de dezoito (que ele considerava velho demais para mim, analisando agora... até que eu concordo). Quando estava beirando os 15, apresentei meu primeiro namorado, ele realmente quis intimidá-lo, mas acho que quem se intimidou foi ele próprio. Um ano e seis meses depois pude notar em seu rosto uma expressão de alívio, sossego. Puf, tadinho... passaram-se mais uns meses e fiz questão de compartilhar com a família inteira a minha felicidade por estar mega apaixonada e amando de novo; bom, é óbvio que ele não soltou fogos de artifício pelo peito assim como eu, como se estivéssemos num clipe da Katy Perry. Resmungou, argumentou, não gostou e aconselhou: "— Não acha que tá namoradeira demais, menina?" Ai pai, de verdade? Não! Talvez o universo Dele possa te assustar, talvez, por ser um cara mais velho que eu, ou por estar na faculdade, ou por ser bem responsável, ou por estar mais perto que eu de conquistar a vida que eu tanto quero pra mim: independência. Talvez, quem sabe, por eu estar crescendo e expandindo o meu mundinho. 

O meu quarto é proporcional pra minha quantidade de tralhas, mas nele não cabem minhas vontades, sonhos, nem mesmo a vida que eu quero viver. Isso tudo aqui é uma folha em branco, um rascunho de redação. Uma história recém iniciada e que ainda está em fase de elaboração, são planos e mais planos feitos durante anos. 

Eu amo o meu pai. Não sei como e nem por que nunca lhe escrevi antes. Ele reclama que eu tenho que aprender a falar com a boca, a me comunicar melhor, a me expressar... Mas fazer o quê se o modo que eu encontrei foi através da escrita, assim ninguém me interrompe, ninguém interpreta-me mal. Ah, desculpa por eu não ter nascido com um pênis, pai. De verdade, eu até gostaria de ser homem, sério! De passar de moleque à senhor. Mas se a vida me quis assim, é porque algo de feminino eu tenho que lhe ensinar. Filho também é um ótimo professor, viu?

Me perdoe por todos os desgostos que já lhe proporcionei, por todas as preocupações, imaturidades, deslizes... Desculpa mesmo, tá? Eu tento ser adulta ao máximo para impressioná-lo, mas normalmente acabo me esquecendo de ser criança. E então fracasso, faço pela metade e não termino nada, se é que eu começo algo. E eu sei que ele não quer abrir mão da imagem daquela pirralha de cabelos cacheados e emaranhados, que corria pela casa com um cachorro doido, cujo nome era de gente grande e tão comum que chegava a ser estanho. Mas paizinho, se decida: ou você cria a sua filha à base de confiança para que ela se torne uma mulher segura amanhã, ou pra sempre cuidará de uma menininha que achava que o William Bonner podia vê-la no sofá e que por isso, sempre respondia ao "boa noite" mais nobre da tevê brasileira, tudo pra que ele — o William  a achasse no mínimo, simpática. 

Eu só quero dar orgulho pro meu velho. Não precisa ser muito, me contento com um aqui e outro ali. Desde que ele sempre me ame. E com certeza, lhe fazer ter a certeza de que criou uma mulher sábia, mesmo que lerda de vez em quando. Obrigada por ser o meu pai, mesmo com esse teu jeitinho nada delicado e totalmente anti-social. Eu te amo, meu gordinho.


Um comentário:

  1. juro como eu queria ter um pai assim Di! o meu ta nem ai pra mim e isso é chato, me sinto " abandonada ". beijo, se cuida e felicidades no namoro!

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